Em um sábado chuvoso e frio para os padrões cariocas nada melhor do que ficar em casa tomando um bom chimarrão e fazer algumas reflexões sobre a situação politica, que parece caminhar para um desenlace, em um prazo bem menor do que qualquer um poderia esperar.
1 - Diz a história que, durante a segunda guerra mundial, pouco antes de a Alemanha invadir a antiga União Soviética, dois generais do exército alemão, Keitel e Jodl, os mais próximos de Adolf Hitler, tentaram demovê-lo desse intento.
Citando o teórico da guerra, Carl Von Clausewitz, alegaram a dificuldade de sustentar uma guerra em duas frentes, contra o Ocidente e contra a URSS ao mesmo tempo.
Não tiveram êxito. Saindo do encontro e abordados pelo também general Von Rommel, disseram: nada feito. E evocando o fato de Hitler ter sido Cabo do exército alemão durante a primeira guerra mundial, acrescentaram:
você sabe bem como os Cabos são teimosos e inflexíveis.
Aqui no Brasil, corre a informação de que o General Heleno teria conversado um dia com o presidente Bolsonaro, levando a preocupação dele e de outros generais, com a possibilidade de um possível isolamento do Planalto, por causa da falta de diálogo do governo com o Congresso e com outros segmentos da sociedade.
Depois da conversa, desanimado, o general teria dito aos seus pares: nada feito. Vocês sabem bem como os capitães são teimosos e turrões.
Se esta teimosia continuar, a situação do governo, que já não é boa, corre sério risco de sair do controle e se agravar.
2 - A história indica também que não se deve menosprezar ou destratar o movimento estudantil. Por concentrar nas escolas e Universidades, um conhecimento acima da média da população, esse é um dos segmentos sociais muito difícil de ser manipulado. Age por sí e muitas vezes lidera, por seu protagonismo intelectual.
Quando falo de movimento estudantil, de uma forma genérica, tenho em meu pensamento sobretudo os jovens, essa população entre 15 e 29 anos, estudando ou não, mas em idade de buscar formação intelectual ou profissional, buscar conhecimento e que, este ano, chega a 50,4 milhões de pessoas no Brasil. Estudando ou não, um quarto da nossa população está nesta faixa etária.
Por estar concentrados nas escolas e Universidades, eles tem maior capacidade de organização e mobilização que os outros segmentos da população, os quais vivem mais dispersos, por conta do trabalho ou do desemprego.
Em geral, os estudantes são bem informados, sabem se comunicar e, para a população, eles concentram conhecimento. Por isso, quase sempre, lideram.
Quando se mobilizam, criam empatia com outros segmentos sociais, que terminam sendo atraídos às lutas e mobilizações estudantis.
Foram os estudantes sempre, os primeiros a se mobilizar, nas escolas e Universidades, na luta pela redemocratização. Muitos perderam aí as suas vidas. Como também, muitos dos parlamentares constituintes de 1988, saíram das lutas estudantis e se elegeram por causa delas. A nossa Constituição atual é também obra deles.
Foram os estudantes, na figura dos "caras pintadas", que iniciaram o processo que terminou no impeachment de Fernando Collor.
Foram eles também que começaram em 2013 as mobilizações que terminaram com o Impeachment de Dilma Russef.
No Rio, sua mobilização levou à saída antecipada de Sérgio Cabral do Palácio Guanabara.
O governo precisa dialogar com eles. Não é boa politica ignorá-los ou agredi-los.
3 - As manifestações do dia 15/05/2019, contra o corte de 30% na educação, devem soar como um alerta e não devem ser desqualificadas ou diminuídas, como está tentando fazer o governo. Ao proceder assim, o governo vai ser surpreendido pelo crescimento delas mais adiante.
Em todo o Brasil mais de 2 milhões de pessoas se mobilizaram em mais de 230 cidades, incluindo as 26 capitais e o Distrito Federal.
Não eram apenas estudantes. Participaram também trabalhadores, pais de alunos, partidos políticos, ativistas, partidários do "Lula livre", Ongs, Associações e outras entidades.
Essa ampla participação não diminui a importância das manifestações e nem as descaracteriza.
Ao contrário. Mostra que, um problema que poderia ser apenas estudantil, pode evoluir, por força das circunstâncias sócio-econômicas e se transformar em uma aliança de massas, que não estava no script politico tão cedo assim, incorporando à luta dos estudantes outros segmentos da população e alargando destarte, o espectro das reivindicações.
Se o governo não dialogar, no rastro dessa manifestação virão outras, cada vez maiores. Já existe inclusive uma outra manifestação marcada para o dia 30 deste mês, e mais duas outras para junho.
À medida em que elas se sucedam e o governo reaja com o confronto ou a desqualificação, sem diálogo, sem responder aos problemas concretos que afligem aos estudantes e à população, outros segmentos populares, que ainda estão em dúvida sobre para onde se inclinar, podem ser atraídos para as ruas, seja por simpatia, seja por gravidade.
E cada vez será mais difícil superar a situação, pois o governo não assume, como deveria assumir, as pautas administrativas,
Assume, de preferência, pautas ideológicas, como se ainda estivesse em campanha.
Desta forma, deixa de governar. E abre espaço para que a oposição cresça no vácuo da desarticulação governamental e ocupe as ruas com suas propostas, emparedando o governo.
4 - E Isto acontece quando o governo Bolsonaro vive talvez um dos seus piores momentos, embora tenha apenas pouco mais de 4 meses de funcionamento.
A luta interna entre suas diversas tendencias, nunca esteve tão acirrada.
O seu partido, com a maioria dos parlamentares ainda inexperientes, não tem unidade, nem física e nem ideológica. Por isso não ocupa espaço, não lidera e nem articula os movimentos do governo. Seja no Congresso, ou fora dele.
O governo então, não tem uma base de sustentação sólida e experiente no Parlamento. Depende do Centrão e de outros partidos para avançar com seus projetos. Mas como não dialoga, não avança.
Ignorar o diálogo politico é ignorar a democracia. O diálogo faz parte do jogo democrático no Congresso e não pode ser rebaixado como sinônimo de toma-lá-dá-cá.
Quem compara o diálogo politico ao toma-lá-dá-cá é quem não quer dialogar.
O Congresso não pode ser tratado como um enorme quartel, onde os parlamentares tenham que responder à ordem unida dos superiores.
O Congresso é um outro poder e como tal deve ser tratado, articulando, dialogando. Do contrário, as propostas não passam. O resultado desse não diálogo, é que o governo até agora não conseguiu vencer uma só batalha importante, seja na Câmara ou no Senado. E são cada vez mais preocupantes os sinais de que, por falta de diálogo, o governo não tenha votos no Congresso nem para apoiar projetos de lei banais, muito menos os mais importantes.
Ao mesmo tempo, é muito preocupante para o presidente, o espaço que está tomando o problema com seu filho mais velho, o Senador Flavio Bolsonaro. O Ministério Público continua avançando nas investigações e há receio de que essa devassa termine respingando no presidente.
Preocupante para ele também, o fato de que algumas forças de direita começam a abandonar o "Bolsonarismo", como o MBL (Movimento Brasil Livre) um dos mais importantes segmentos organizados da direira brasileira.
É o caso também do empresário Flávio Rocha, dono das Lojas Riachuello, do economista Delfim Neto e do cantor Lobão.
Já correm rumores de que, parte da direita organizada, a direita com lastro cultural e intelectual, vai tentar construir uma estrutura própria, independente de Bolsonaro, deixando-o cada vez mais isolado.
Certamente que a direita radical ficará com ele, mas não sei se será suficiente, como elo de ligação com a população, para impedir a sua queda acentuada de popularidade. Sobretudo por que há sinais muito claros de que ele vem perdendo apoio dos eleitores do centro, aqueles que temiam a volta do PT e que por falta de opção votaram nele.
À medida em que o governo não deslancha e nem consegue articular os seus projetos de campanha, esse eleitorado vai buscar outros caminhos.
5 - À essa situação politica difícil, somam-se números ruins da economia.
A divulgação do indicador de atividades do Banco Central, mostrando queda de 0,68% no PIB do primeiro trimestre, projeta um crescimento em torno de 0,8%, quando o governo no inicio do mandato, esperava 3% de crescimento do PIB para este ano.
Tais números negativos, colocam a carta da recessão de volta ao baralho, o que tornaria a situação muito difícil para o governo, pois ele se elegeu prometendo crescimento econômico. Os números negativos contrariam suas promessas.
Os indicadores desse primeiro trimestre mostram queda de 2,2% na industria e queda de 1,7% no setor de serviços.
A inflação de abril deste ano foi de 0,57%, contra 0,22% em abril do ano que passou.
O desemprego permanece elevado, em torno de 13,6 milhões de pessoas. Mais da metade desses desempregados, procura emprego há mais de 2 anos sem conseguir.
Mas, 13,6 milhões de pessoas, é apenas o número daqueles que estão procurando emprego.
Um outro contingente, de 5,6 milhões, já desistiu de procurar emprego e busca soluções alternativas para sobreviver.
Por isso não são computados nas pesquisas. Mas continuam desempregados. Somados a esses dados, temos ainda que a subutilização da força de trabalho alcança já 29,4 milhões de pessoas.
6 - A totalidade desses números, compõe um exército perigoso, vivendo na informalidade social, na instabilidade e na incerteza. Em sua angústia vivencial, esse segmento marginalizado pode ser atraído para aventuras populistas inconsequentes, à direita ou à esquerda, como a história está cheia de exemplos.
Para isso, basta que apareça o caudilho e que a estrutura social opere para construir essa saída alternativa.
7 - Voltando à economia, por causa do desemprego, a nossa industria produz muito pouco, por que vende pouco e em consequência não contrata.
O comércio não compra por que também não consegue vender.
A restrição do credito comprime a renda das famílias, que despencou vertiginosamente, colocando mais de um terço delas abaixo da linha de pobreza. Há segmentos sociais vivendo, ou sobrevivendo, com um quarto do salário mínimo.
Como consequência, a informalidade cresceu muito. Estudos mostram que 42% dos adultos brasileiros estão inadimplentes.
Nas áreas mais carentes, 45% das famílias já são comandadas por mulheres, seja por que o marido está separado, desempregado ou preso.
É inevitável que esta situação vai elevar a insegurança e a instabilidade social.
E o pior é que não há sinais de recuperação.
Como consequência da perda de confiança do empresariado, o dólar foi negociado no ultimo dia desta semana, a R$ 4,10 ou seja, sua maior cotação nos últimos 8 meses. O dólar turismo subiu a R$ 4,55 e o Euro ultrapassou R$ 5,23
Também a Bolsa refletiu esse quadro e fechou a semana em sua menor cotação do ano, atingindo 89.024 pontos do índice Bovespa.
8 - As manifestações, por ter sido nacionais, devem ser um alerta para o governo, que chega a um ponto muito arriscado, semelhante ao que Dilma passou em 2013.
Só que Bolsonaro tem apenas 4 meses e meio de governo e não construiu ainda sua estrutura politica, nem mesmo a ministerial. Ele ainda não tem o que apresentar ou defender, como realização sua.
E a briga interna em seu governo pode ser muito perigosa para a sua continuidade.
Bolsonaro tem problemas no interior de sua equipe, tem problemas com o Congresso e agora vai começar a ter problemas com as ruas. São muitas frentes de combate. E Clausewitz profetizava que duas já são demais.
Isso cria um clima de incertezas e faz a economia oscilar para baixo.
Os problemas do governo não são com a agenda econômica. São com a classe politica. E é essa incerteza politica que fragiliza a agenda econômica.
9 - Ao mesmo tempo em que o governo tenta desqualificar e diminuir a importância das manifestações, o Congresso vai usar as manifestações e a elevação da impopularidade do governo, para subir o tom e exigir cada vez mais espaço.
Deputados e senadores vão medir o vulto das manifestações e em função disso vão pedir mais por seu apoio.
Não tem nada que os políticos tenham mais medo do que a população nas ruas. Caminhar na contra-mão das ruas, pode custar o mandato de um parlamentar na outra eleição.
No inicio do governo, em fevereiro, uma pesquisa indicava que 58% dos parlamentares consideravam a relação com o Planalto muito boa.
Hoje esse número caiu para 13%.
Da mesma forma, em fevereiro somente 12% consideravam a relação com o Planalto como ruim.
Hoje esse número subiu para 65%.
É esse o resultado da falta de diálogo e da persistência de uma relação autoritária e turrona com os parlamentares e os partidos políticos.
O surgimento agora do ronco das ruas vai dar mais força aos parlamentares, e vai obrigar o governo a ouvir os partidos políticos, a dialogar e a ceder pelo menos o razoável, se quiser continuar governando.
A história mostra que nenhum governante saiu ileso ao medir forças com o Congresso.
Jânio Quadros, Fernando Collor e Dilma Russef são exemplos disso.
Seria bom aprender a lição.
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10 - Já no final desse texto e me preparando para renovar meu chimarrão,
recebo duas noticias interessantes.
A primeira é que 5 partidos de menor porte estariam formando o seu próprio bloco, para ter mais força na relação com o governo, independentes do Centrão. Se o governo tivesse força politica e social, isto não aconteceria.
A segunda noticia é que, diante da crise econômica e das dificuldades de articulação do governo Bolsonaro, parlamentares decidiram assumir a liderança do processo de reformas. O presidente da Comissão Especial de Reforma da Previdência, deputado Marcelo Ramos, afirmou que foi decidido votar um texto alternativo, com a retirada dos pontos polêmicos do projeto inicial do governo.
Em reunião de líderes, na casa do presidente da Câmara Rodrigo Maia, foi decidido também, que o Congresso assumirá a responsabilidade na formatação das reformas, inclusive na área tributária.
Ao agir assim, o Congresso assume diante da população, um protagonismo que deveria ser do governo, e que não se concretizou pela teimosia do Planalto, por falta de diálogo e de articulação.
Ao assumir esse protagonismo o Congresso busca melhorar sua imagem com a população e transfere ao governo grande parte de seu desgaste politico.
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