domingo, 25 de agosto de 2019

"AS LIÇÕES DA ARGENTINA"

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                   Acho que a eleição argentina deve soar como um alerta.
                   Para o Brasil principalmente. 
                  O presidente Mauricio Macri teve uma derrota enorme nas primárias argentinas. Recebeu 32% dos votos contra 47% da chapa de oposição. São 15% de diferença. Como a eleição real se dará em 27 de outubro, o tempo é curto demais para mudar esse quadro e dar ao presidente  Mauricio Macri, chances reais de concorrer com êxito. Basta ver como exemplo dessa falta de confiança na continuidade do governo, que a Missão do FMI que chegará à Argentina depois da eleição, para discutir os rumos da economia com Macri, vai também se reunir com o candidato de oposição. O mercado já não aposta na permanência do atual presidente.    A chapa formada por Alberto Fernandez e a ex-presidente e atual senadora Cristina Kirchner, ganhou com larga margem as Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias ( PASO ). Foram 47% contra 32%. E é importante saber que para vencer no primeiro turno, um candidato argentino precisa de 45% dos votos, ou de 40% desde que tenha 10 pontos de vantagem sobre o segundo colocado. Por isso  o favoritismo de Fernandez na próxima eleição de outubro. 
Mauricio Macri assumiu o governo  no final de 2015 depois de 12 anos de governo Kirchner. O país vivia uma crise, com inflação alta, contas públicas no vermelho, divida crescente, desemprego elevado e empobrecimento crescente. Macri assumiu prometendo resolver os problemas, prometeu  uma agenda liberal, resolver a crise fiscal e colocar a economia  no caminho do crescimento. Por que não conseguiu?

A resposta não é simples. Muitos analistas acreditam que tamanha derrota se deve a uma combinação de fatores. Primeiro à soberba de Macri e de seus  ministros, que depois da eleição se moviam com absoluto autoritarismo, como se tivessem um mandado perpétuo. Não primaram pelo diálogo, não construíram uma base parlamentar solida para encaminhar suas propostas, não respeitavam quem discordava.
A esse primeiro fator somou-se um outro extremamente importante que foi a situação econômica difícil das classes média e media baixa, que se agravou com o tempo, à medida em que o governo não conseguiu reverter o quadro econômico herdado do governo anterior.
Essa classe média, sobretudo a baixa, que sempre foi base do peronismo, votou em Macri em 2015. Naquele ano, Macri recebeu votos inclusive de lideranças peronistas, descontentes  com o governo de Cristina Kirchner. Foi graças a esses apoios que Macri recebeu 51,34% contra 48,66% do candidato governista Daniel Scioli.
O grande desafio para Macri era manter esse apoio enquanto tentava reerguer a economia. 
Mas como  fazer isso, se a economia não avançava? A inflação anual chegou a 40%. Só nos primeiros meses de 2019 foram fechadas mais de 5 mil fábricas por toda a Argentina. Em razão desses problemas, o desemprego aumentou muito, aumentando também a instabilidade social..
Está aí a base do fracasso de Macri. Não conseguiu reerguer a tempo a economia. Pediu mais tempo à população. Mas a fome pesou mais forte. A população empobrecida não manteve a confiança, preferiu não continuar esperando apoiada em promessas e na eleição, passou para o outro lado.

O mapa eleitoral produzido  pela eleição é muito desfavorável a Macri. Além de ter contra ele 24 governadores de Província, descontentes com o governo central, ainda perdeu a eleição em 4 das 5 Províncias que governa. Reverter esse quadro em apenas 2 meses é muito difícil, principalmente  por que a economia está totalmente fora do controle e não ajuda. 

É importante estudar o que aconteceu com Macri para não ter algo semelhante aqui no Brasil.
Agora em setembro o governo Bolsonaro vai completar 9 meses. E a economia não deu ainda os primeiros passos para reverter a situação difícil do país. Esta situação foi deixada por quase 16 anos de governos petistas. Mas agora, desde a eleição, está no colo dele. 
Para se ter uma ideia da dificuldade de sair dessa situação, a primeira e talvez a mais importante das reformas propostas, a Reforma da Previdência, só agora passou pela Câmara. Para vigorar, ainda precisa passar pelo Senado e talvez somente no final de outubro ou inicio de novembro, isso aconteça. Se, por qualquer divergência,  tiver de retornar à Câmara, o atraso será muito maior.

E enquanto  a economia não deslancha, os problemas se acumulam. Nestes primeiros 6 meses do ano, o Brasil acumulou 2 trimestres seguidos de PIB negativo. Isto caracteriza  recessão técnica. 
O Brasil convive atualmente com 12,8 milhões de desempregados. Tem mais de 13 milhões de  pessoas vivendo com R$ 89,00 por mês, o que caracteriza pobreza extrema. Mais de metade de sua população  se encontra inadimplente, sem capacidade financeira alguma. O consumo das famílias diminuiu consideravelmente. Se a população não compra, o comercio não vende, a industria não produz, o empresário não investe. 
Entre desempregados, subempregados e informais, o Brasil tem hoje mais de 50 milhões de pessoas vivendo na precariedade e sem qualquer tipo de proteção social. Nem proteção trabalhista, nem CLT,  nem previdência, nem seguro saúde. 
Mudar esse quadro demanda tempo. Até mesmo porque a geração de empregos é um dos últimos fatores a reagir. Primeiro o governo arrecada. Depois investe. Só depois são gerados os empregos. 
O problema é, como arrecadar se a população não consome e portanto, não faz girar a economia?
 O Ministro Paulo Guedes pede paciência. Mas até quando?

Já estamos quase virando a esquina para 2020. E em 2020 teremos eleições municipais. Quem  quiser  almejar algo maior em 2022, terá que montar suas estruturas em 2020, elegendo o maior número de prefeitos e vereadores, que sustentarão suas propostas e as levarão à população, construindo as bases para a eleição dos deputados, dos senadores, dos governadores e do presidente.
Então, a demora em articular e aprovar  propostas que apontem na direção da superação desse quadro recessivo, vai com certeza, dificultar a caminhada de Bolsonaro para a reeleição.

Percebendo o alcance desses problemas, grupos importantes que apoiaram Bolsonaro na campanha e por todos esse primeiros meses de governo, começam a fazer movimentos para se descolar do presidente.
O mais importante deles é João Dória, governador de São Paulo. Sentindo as dificuldades de Bolsonaro em fazer a economia avançar, Dória começa a assumir  uma atitude de oposição, se diferenciando de Bolsonaro sem deixar de ser direita. Mas quer passar a imagem de uma direita mais educada. Que dialoga e não atropela. Com essa imagem tenta atrair parlamentares importantes do PSL, como fez com Alexandre Frota. Está avançando sobre as bases de Bolsonaro no Rio de Janeiro, e também sobre o agronegócio, setor que pode ser muito prejudicado pela politica ambiental do presidente. Finalmente, Dória está articulando junto com Rodrigo Maia, uma fusão entre o PSDB, o DEM e o PSD. Esta fusão resultaria na maior sigla do país. Teria a maior bancada  no Congresso, o maior numero de governadores, o maior fundo eleitoral. E já atuaria nesta eleição de 2020, colocando as bases para a eleição presidencial de 2022, cujo candidato seria João Dória.
Para um governo que ainda não conseguiu avançar suas propostas, será difícil  competir, mesmo dentro do seu campo eleitoral de direita, onde começa a perder gente.

Segundo o Instituto IPSOS, que faz pesquisa de mercado em mais de 90 países, Jair Bolsonaro  tem hoje 29% de aprovação popular. Se esta pesquisa está correta, significa que ele perdeu aquela gordura eleitoral, produto do apoio daqueles que votaram nele pelo ante-petismo, ou contra a corrupção ou por que queriam apostar em alguém diferente. Se mantém com ele apenas o núcleo duro de extrema direita que vai sustentando Bolsonaro, enquanto ele não consegue sair das dificuldades iniciais de governo.

Mas esse núcleo que o sustenta, não será suficiente para garantir  mais diante a sua reeleição. É importante para não deixar sua popularidade despencar como Temer, ou como Dilma nos seus piores momentos. Mas estará muito distante do minimo necessário para garantir a sua reeleição.

 A grande lição da eleição argentina, é que o governo precisa colocar o pé no acelerador. Precisa abandonar o discurso de campanha e articular o encaminhamento de suas propostas, dialogando com o Congresso e a sociedade. A população não  vai ficar esperando muito tempo que a economia dê certo. Vai pesar mais em seu voto a situação difícil do desemprego e do aumento da pobreza, como aconteceu na Argentina. Lá, a barriga vazia foi mais forte que a ideologia.

Rio de Janeiro, 25/08/2019

Carlos Montarroyos

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