Pois bem. Você me disse que divulga e discute o que escrevo, com um grupo de estudantes brasileiros, amigos seus, aí de Lisboa e me pede agora para explicar melhor, o que Bolsonaro poderia fazer, para superar essa situação difícil, exposta no texto que te mandei.
Tudo bem. Vou tentar alinhavar algumas ideias sobre o que eu acho que ele deveria fazer, para superar essa situação complicada.
Vamos começar por uma comparação histórica.
Você deve lembrar que, em 1982, na primeira eleição da chamada "abertura politica", ainda no governo do ex-presidente João Batista Figueiredo, Leonel Brizola venceu o pleito estadual e assumiu o governo do Rio de Janeiro.
Apoiado em um Partido recém criado, de pequeno porte, sem recursos, elegeu com ele uma enorme bancada, estadual e federal, no Rio de Janeiro.
Mas eram quase todos, parlamentares de primeiro mandato, sem qualquer experiencia legislativa. E Brizola pagou um preço alto por causa disso.
Os deputados partidários do ex-governador Chagas Freitas, do antigo MDB, se encastelaram na ALERJ e de lá começaram a confrontar o novo governador. Eram em menor número, mas eram parlamentares experientes e usaram seu conhecimento do funcionamento da ALERJ, sobretudo do regimento interno, para travar os movimentos do governo.
Hoje, com Bolsonaro, a situação não é muito diferente. Elegeu com ele, no curso da indignação popular, uma quantidade muito grande de novos parlamentares. Desde nomes assumidamente "bolsonaristas", de direita, até aqueles que se elegeram aliados a ele, na onda do ante-petismo e contra a corrupção. Mas são parlamentares, em sua grande maioria, sem qualquer experiencia legislativa anterior.
E no jogo complicado, intra-muros, do Congresso, o novo presidente eleito, tendo como instrumento para se apoiar, um partido ainda inexperiente, da mesma forma que Brizola no passado, começou a ter dificuldades para fazer avançar os seus projetos e viabilizar suas promessas de campanha.
Você então me pergunta, o que Bolsonaro deve fazer para sair dessa situação, já que Brizola em sua época, enredou-se na ALERJ, derrapou politicamente e, ao final do mandato, perdeu a eleição para Moreira Franco. Com Bolsonaro poderia acontecer igual?
Ai vai o que penso.
A oposição ainda não se recuperou da perda da eleição, depois de 16 anos de poder. Teve nestes anos, avanços sociais importantes. Mas economicamente, afundou o país. Depois da derrota eleitoral, como oposição, ainda não fez um balanço sério dos erros cometidos. Em parte por isso, ainda não construiu uma unidade. Não tem um projeto único para o país e que se imponha, além dos próprios limites de cada um dos partidos. Também não conseguiu ainda forças, nem uma bandeira politica atraente, para ocupar as ruas. Sobretudo por que, a maior parte dos problemas de Bolsonaro, ele herdou dos governos passados, o que restringe muito a amplitude e a capacidade da crítica.
A bandeira "Lula livre" não unifica os diversos segmentos que se opõem ao governo. Muitos até, como Ciro Gomes, se opõem a essa bandeira.
Então, enquanto não resolve esses problemas, a oposição se encastela no espaço do Congresso e faz seus movimentos à partir daí, em uma aliança circunstancial e pontual, com um Centrão pragmático, que se inclina ora para um lado, ora para outro, dependendo das circunstancias e dos seus interesses mais imediatos.
Se aproveitam, o Centrão e a esquerda, do fato de que a economia ainda não avançou como o governo esperava. O desemprego ainda é muito elevado. A pobreza das famílias também. O PIB não cresce e a inflação é baixa por que não há consumo das famílias. O Orçamento aprovado para 2020 tem 94% de suas despesas contingenciadas, restando portanto, apenas 6% para investimentos e outras despesas. A retomada da economia passa a depender então do setor privado que vai precisar de confiança para investir.
Isto afeta a popularidade do presidente e o torna mais fraco para dialogar com os mais diversos segmentos políticos.
Uma coisa é dialogar com o Congresso apoiado em uma economia em crescimento, em um partido forte e experiente e em base a bons índices de popularidade. Se negocia em uma posição de superioridade.
Outra coisa é dialogar em base a um partido inexperiente e disperso e com a popularidade em baixa , afetada por uma economia que não avança.
A negociação fica mais difícil, por que se faz em base a uma situação desconfortável.
Em sua época, Brizola nunca se preocupou em construir um partido politico. Como caudilho que era, o partido era para ele um instrumento cartorial, como é até hoje a grande maioria dos partidos nacionais. São cartórios de suas direções. Na prática, era Brizola quem decidia tudo e tudo tinha que passar por ele. O Partido apenas referendava.
Isto foi suficiente no processo eleitoral. Mas depois da eleição, a não existência de um partido sólido e experiente, deixou Brizola à mercê da oposição no interior da ALERJ.
E acredito que essa talvez seja a lição mais importante desse processo. Se pode vencer uma eleição com um partido pequeno, ou até mesmo sem partido, apoiado apenas no voluntarismo popular.
Mas, sem partido não se governa. Por que todos os projetos do governo precisam ser aprovados no legislativo, para que sejam implementados. E sem um partido forte e experiente, o governo vai negociar sempre à partir de uma posição desfavorável.
Bolsonaro não vive uma situação muito diferente da que vivenciou Brizola em seu primeiro governo. O Congresso é dominado pelo Centrão e Rodrigo Maia disputa com o governo o protagonismo politico, de olho em sua reeleição à presidência da Câmara e na próxima eleição presidencial em 2022.
Então, Rodrigo Maia atua para que as propostas importantes do governo apareçam como propostas do Congresso. Em um regime presidencial, ele procura atuar como uma espécie de Primeiro Ministro informal.
Isto significa que Bolsonaro está fadado a um desfecho semelhante ao de Brizola, perdendo em 2022 a próxima eleição presidencial ?
Não creio. As situações são semelhantes, mas são também muito diferentes.
Sobretudo por que há uma grande diferença entre a situação de Brizola no passado e a de Bolsonaro agora.
E essa diferença são as redes sociais, que não existiam naquela época e que atualmente são mais importantes até que a televisão, para a exposição e discussão das ideias.
Teria Brizola se equivocado ao negociar como negociou com a oposição "chaguista"? Também não creio. Acho que ele cometeu na época, a meu ver, dois erros fundamentais.
Primeiro, negociar sem estar apoiado em um partido forte. No espaço do legislativo, um partido forte e experiente, lidera e conduz a aprovação dos projetos, construindo uma estrutura politica de apoio e baseado nas alianças que achar necessárias àquele momento. Quando esse partido é insuficiente, então a aprovação dos projetos fica na dependência dos acordos que se faça, e que nem sempre são os mais saudáveis
O outro erro em minha opinião, foi aceitar circunscrever as discussões e negociações, apenas aos limites internos do espaço do legislativo. E no interior do legislativo, a oposição era soberana. Mesmo tendo perdido a eleição.
Brizola não tinha um espaço para dirigir-se ao seu público e explicitar suas . propostas, como existem hoje, as redes sociais. E ele hesitava em levar a discussão para as ruas, em reuniões e eventos, que eram os instrumentos da época, pois tinha receio de perder o controle do processo.
Bolsonaro pode contar com esse instrumento que faltou a Brizola. Ele já usou esse instrumento na campanha. Sabe usar. E usou muito bem. Com ele, superou a TV e ganhou uma eleição sem recursos.
Com as redes sociais ele pode então, sem deixar de negociar suas propostas no legislativo, alargar o seu alcance além dos limites do Congresso, fazendo com que a população discuta também e participe do processo politico.
Todos nós sabemos que em politica não existe situação sem saída. Quem tem a máquina do executivo, tem um poder de fogo muito grande. E tem que ter iniciativas para buscar saídas. É importante dialogar, para aprovar os projetos e fazer a economia avançar. Mas dialogar não apenas no interior do Congresso. Dialogar também, com os mais diversos segmentos sociais, fazendo a discussão dos problemas, transbordar os limites do legislativo e se espalhar pela população.
Neste sentido as redes sociais podem ser um instrumento fundamental.
Virando a esquina, vamos entrar em um ano eleitoral. A eleição de prefeitos e vereadores em 2020 será a ante-sala da eleição presidencial de 2022.
Se o governo do presidente Jair Bolsonaro pretende a reeleição, tem que se articular melhor no Congresso, construir um partido forte e confiável, uma base de apoio sólida, com os partidos políticos aliados e saber buscar apoio popular, para aprovar suas propostas e projetos. Em base a elas, eleger o maior número de vereadores e prefeitos ligados a ele. Coisa que Brizola em sua época, não conseguiu fazer, a nível estadual.
Respondendo à tua preocupação, acredito que esse é o caminho. O governo pode seguir por ele e se dar bem.
Mas não está excluído que as coisas se compliquem. A economia pode não reagir como espera o governo. Problemas com a politica ambiental podem complicar os investimentos internacionais. A eleição argentina mostrou que a população, em momentos de crise, vota mais pressionada pela barriga vazia, do que com a ideologia. E pode fazer igual aqui em 2020 se não vislumbrar minimamente, o encaminhamento de suas necessidades básicas.
.A popularidade do presidente pode ser afetada e enfraquecer sua atuação e seu diálogo com outros segmentos políticos e com o Legislativo, que também é uma máquina importante, para quem tiver seu controle.
Se a situação ficar indefinida, de dentro de seu próprio campo, da direita que o elegeu, podem surgir opositores e competidores, complicando sua reeleição.
E estariam criadas as condições para o surgimento da incerteza eleitoral.
Do seu amigo,
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