Meu caro amigo
Você me pede uma opinião sobre a evolução da situação politica no Brasil, pois ai em Portugal as noticias chegam muito truncadas Vamos lá. Acredito que o fato mais importante, desde a última vez que nos falamos, é o inicio de um racha na estrutura politica de direita que venceu a eleição presidencial em 2018. Esse racha acontece e toma formas, quando o atual governador de São Paulo, João Dória, começa a se descolar e se diferenciar do governo federal, encaminhando a construção de sua própria estrutura politica nacional, para disputar a presidência em 2022. Esse posicionamento do governador de São Paulo abre uma disputa séria Bolsonaro-Dória, que evolui com a precipitação de acusações de parte a parte, e que, pela sua amplitude, não tem mais como voltar ao ponto inicial, de aliança entre os dois. Acho que a origem da dissidência, não apenas de João Dória, mas de outras figuras importantes, reside no descontentamento de alguns segmentos que compunham a estrutura inicial do bolsonarismo. Os representantes desses segmentos, ou discordam dos rumos do governo ou não se sentiram nele representados, de acordo à sua participação na campanha e à sua força e estrutura politica. Esse fato não é novo e nem único. Já aconteceram outras dissidências neste inicio de governo, como Bebiano e Santos Cruz. Mas eles saíram sozinhos. Não tinham estrutura própria. Não arrastaram ninguém com eles. O governo não se abalou com essa perda. Passou como se fosse uma depuração. A dissidência de João Dória é diferente. No rastro ou não do bolsonarismo, ele se elegeu governador de São Paulo. Diferente dos outros dois, que foram nomeados por Bolsonaro, João Dória não depende de Bolsonaro, pois foi eleito. Se ele conseguir se estabilizar nesta posição dissidente, e conseguir atrair apoios políticos do campo conservador, como está começando a acontecer, vai medir forças com o atual presidente em 2022. A criação e a manutenção de um grupo dissidente, com a força e a estrutura do governo de São Paulo, será um fato extremamente perigoso para Bolsonaro, que já tem problemas com os governadores do Nordeste e com os governadores da Amazônia Legal. Corre então, o risco de começar a se isolar, restrito a um grupo minoritário de apoiadores, dentro da ampla estrutura de direita que o levou a vencer a eleição. Acredito que João Dória não se arriscaria a abrir publicamente essa dissidência, se não sentisse que o governo Bolsonaro se encontra, no momento, em uma situação muito desfavorável. E que essa situação desfavorável bate forte contra sua popularidade. A última pesquisa Data Folha mostra que a aprovação do presidente diminuiu muito, chegando agora a 29%, que é o percentual mais baixo desde sua eleição. Por outro lado, a reprovação aumentou, alcançando a marca de 38% pelo Data Folha e 41% pelo XP-Ipesp. E já existem projeções mostrando que se o quadro politico-econômico não se alterar, essa rejeição pode passar dos 50% até o final do ano. O que colocaria Bolsonaro em uma posição muito complicada e mais difícil de reverter, complicando as suas chances de reeleição. Se poderia questionar essa pesquisa, por ser do Data Folha. Mas ela não é a única que chega às mesmas conclusões. Nestes últimos 7 dias, pesquisas da XP-Ipesp, da Vox-Populi e da CNT-MDA, divulgaram números semelhantes. Então, fica difícil contestar. Diminuir para 29% sua aprovação, significa que Bolsonaro chegou ao limite suportável de queda de popularidade. Em um gráfico ponto-figura, teria cruzado para baixo a linha de sustentação politica. Neste momento, estaria sendo apoiado apenas, pela direita de raiz, a ultra direita, ou seja, os seus apoiadores mais confiáveis, calculados em 29% a 30% daqueles 57 milhões que o elegeram. A outra parte dos que votaram nele em base ao ante-petismo, contra a corrupção, e aqueles que votaram por que queriam alguém diferente, as pesquisas indicam que já desembarcaram do apoio ao presidente, e estão em busca de outras alternativas. Se esses números são confiáveis, então é preciso acender a luz amarela no staff do presidente, por que é uma queda muito significativa para quem almeja a reeleição. E sobram razões para essa queda. Bolsonaro acumula um desgaste muito grande pela sua politica ambiental, aqui no Brasil e principalmente no exterior. Além disso, os números da economia não são os prometidos e esperados pela equipe econômica. A herança deixada pelos outros governos, de uma economia em frangalhos, não será revertida com facilidade. O desemprego é elevado, mais ou menos 12,8 milhões de desempregados. Diminuiu um pouco, por que aumentou o trabalho informal. Mas o empobrecimento da população continua sem alteração. A soma de pessoas desempregadas, subempregadas e na informalidade, atinge mais de 50 milhões de brasileiros. O que gera descontentamento e uma instabilidade social muito grande. As perspectivas de crescimento econômico no próximo ano, são ainda muito incertas. A inflação se conteve por que não há consumo. Mas o PIB não cresce. Segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), 2019 já é considerado um ano perdido para a indústria. Só para fazer uma comparação: em 2017 a industria cresceu 2,5%; em 2018 esse crescimento caiu para 1%, mas ainda foi positivo; agora em 2019, apurados os números do primeiro semestre, o crescimento foi negativo, ou seja, -1,3%. E não há qualquer sinal de que 2020 seja diferente. Sem recursos, o investimento governamental previsto para 2020, como consequência de um Orçamento comprimido, será o menor dos últimos 10 anos. E essa redução atingirá principalmente os recursos voltados para a população mais vulnerável, atingindo o Minha Casa Minha Vida e o Bolsa Família. Só os gastos obrigatórios já consumirão 94% do Orçamento. Para investimentos o governo terá apenas R$ 19,3 bilhões, ou seja, 6% apenas do Orçamento e terá que pedir R$ 367 bilhões ao Congresso, para conseguir fechar os pagamentos dos aposentados, dos servidores e do Bolsa Família. Por conseguinte, não sobra quase nada para investir e gerar crescimento. Com um governo descapitalizado, o crescimento econômico vai depender então, essencialmente, da iniciativa privada. Ocorre que, para ser levado a investir, o investidor privado tem que ter confiança no futuro e no retorno do seu capital investido. Mas a situação de incerteza, não lhe dá essa confiança. A conclusão então, é que a economia não poderá vir em socorro do presidente para melhorar sua popularidade. E ele terá que apostar suas fichas em outros caminhos, para manter viável a possibilidade de sua reeleição. Todos esses problemas vão coincidir e influenciar as eleições municipais de 2020, quando, com a eleição de prefeitos e vereadores, serão montadas as bases politicas para eleger o próximo presidente em 2022. Por isso Dória se descola. Sente o desgaste, sente a dificuldade do governo para superar os problemas e se estrutura para saltar fora do barco. Faz isso agora, por que quer aproveitar dois momentos importantes. Primeiro, os problemas do governo, o que lhe dá margem para movimentar-se e se apresentar como alternativa politica a Bolsonaro, com propostas diferentes, mas sem se afastar do campo da direita. Como governador de São Paulo, lhe sobram recursos para construir-se como alternativa e em contrapartida, ele não tem os mesmos problemas que Bolsonaro tem, como presidente, para resolver. Em um segundo momento, Dória se aproveita também, do fato de que a esquerda ainda está desorganizada, sem unidade e sem uma figura nacional e popular, que se imponha sobre as outras. Os partidos que representam a esquerda, fazem firulas no Congresso, mas ainda não tem força para mobilizar as ruas. Não tem ainda um "slogan" para atrair a população. O "Lula Livre" não colou e não dá unidade às esquerdas. A construção de uma tal figura, com apoio de massas e que centralize a oposição pela esquerda, depende de muitas circunstâncias. Demanda tempo. Não emerge como produto de um passe de mágica. Enquanto te escrevo, vislumbro apenas os nomes de Ciro Gomes, Fernando Hadad, Boulos e Flavio Dino, como possíveis postulantes pela esquerda. São os mesmos do período anterior. A vida politica limitada, não produziu uma renovação de quadros. Os que já existem e se posicionam como possíveis candidatos da esquerda, ainda precisam chegar a uma candidatura única, que seja apoiada pelos outros, para se impor como solução alternativa. E isto não é fácil de construir. Colocar dois deles em uma mesma chapa, não amplia nada, além dos horizontes da esquerda. Nesse espaço é que João Dória se movimenta politicamente. Busca atrair descontentes com Bolsonaro, como fez com Alexandre Frota e está tentando fazer com outras lideranças importantes, dentro e fora do bolsonarismo. João Dória procura estruturar uma direita ligada a ele, unindo o Centro, a Centro-Direita e a Direita Clássica. Sob essa base, vai tentar construir candidaturas viáveis nestas eleições de 2020, como trampolim para ele em 2022. Nos grandes centros, principalmente, ele precisa eleger os prefeitos. E vai tentar ocupar espaço antes dos outros, principalmente de futuros competidores dentro do mesmo campo politico de direita. Governando o estado mais rico da Federação, com o maior PIB nacional e a maior concentração industrial do país, está construindo uma aliança PSDB-DEM-PSD, com Rodrigo Maia e Kassab, visando as prefeituras de São Paulo, Rio e Belo Horizonte. Essa união pode resultar na maior sigla do país e no controle do maior Fundo Eleitoral. O objetivo será, Dória-presidente em 2022. Pelo visto, não será fácil enfrentá-lo. Isto significa que Bolsonaro já está derrotado como candidato à reeleição? De forma alguma. Apesar das dificuldades listadas aqui, Bolsonaro não pode ser subestimado. Tem problemas muito sérios para resolver, dentro e fora do governo. Mas, não são problemas insolúveis. Ele tem como resolvê-los. Ainda não perdeu o norte. Mesmo quando sua movimentação politica apareça como contraditória, ele se move segundo uma estratégia, que tem por objetivo se manter vivo, para fazer essa travessia difícil e problemática, do inicio do governo. E procura mostrar que pode manter acesa a possibilidade de reeleição. Parte da estratégia, é não abrir espaço para o surgimento e crescimento de possíveis concorrentes, dentro de seu campo politico. Por isso ele bate em João Dória, tentando mostrar que ele não é uma direita de raiz, mas apenas uma direita circunstancial, oportunista. Tenta colocar João Dória para fora do seu campo. Pela mesma razão Bolsonaro bate em Luciano Huck, antes que ele concretize uma possibilidade de candidatura. Da mesma forma ele esvazia D Sergio Moro. Esvazia, mas não o expele. Por que Moro tem uma avaliação popular superior a Bolsonaro. Sendo assim, mesmo não confiando mais nele, é melhor mantê-lo sob controle dentro de sua estrutura, do que tê-lo fora do governo como oposição. Isto não quer dizer que não haja espaço para outros possíveis candidatos. O campo do Centro por exemplo, ainda não foi ocupado por ninguém. Nem fisicamente e nem por propostas. Está vazio. Mesmo à direita, existem nomes interessantes e viáveis que estão desde agora, se construindo como alternativa para suceder Bolsonaro. Mas a prudência manda esperar o desenrolar dos acontecimentos. Só deverão avançar na construção de candidaturas a nível presidencial, se Bolsonaro se mostrar inviável. Se Bolsonaro mantiver chances de reeleição, marcharão com ele e esperarão 2026. Para Bolsonaro, a campanha pela reeleição já começou. Por isso ele nunca desceu do palanque. E não vai tolerar a aparição de um concorrente dentro de seu campo politico, que se construa como alternativa a ele. Faz assim com Dória. E qualquer um outro, do mesmo campo politico, que apareça agora, como possível candidato em 2022, vai ser atacado pelo presidente. Acho importante nesta análise, ter em conta que, mesmo com a queda de popularidade, Bolsonaro tem uma legião de seguidores fiéis, expressados nestes 29% de aprovação. Esse grupo de apoiadores constituem a base para que ele tente se manter vivo nesta situação difícil de inicio de governo. Procure superá-la depois, para almejar a reeleição. Portanto, é para esse segmento que ele fala. Bolsonaro não é um organizador, mas ele é um grande comunicador. Ganhou a eleição sem Partido, sem tempo de TV, sem Fundo Eleitoral, baseado apenas em seu discurso nas redes sociais. Aproveitou com habilidade, um momento que pode ter sido único na politica nacional, que uniu o desgaste do PT com a repulsa á corrupção e se elegeu como a antítese daquela situação. Dificilmente uma situação semelhante vai se repetir, seja em 2020 e muito menos em 2022. Por isso, quem não atualizar seu discurso, dificilmente se reelege, por que os problemas serão outros e as soluções também. Voltando a Bolsonaro, acredito que, mesmo com todos os seus problemas, será muito difícil tirá-lo do caminho. Pode-se discordar do seu discurso radical de direita, dos seus métodos, de sua falta de habilidade politica, de truculência, de uma visão limitada do cargo que ocupa, mas ele, até onde eu estou informado, é um homem que não se corrompeu. Em 28 anos de vida parlamentar, nunca trocou seu voto por vantagens materiais. Não construiu patrimônio com dinheiro público. Pela formação militar, é muitas vezes grosso, agressivo, inflexível em suas opiniões. Mas nunca foi corrupto. É um homem simples, de hábitos caseiros, não amealhou fortuna, não enriqueceu com a politica. Essa qualidade, que deveria ser dever de todos e que não se encontra com facilidade no mundo politico, de alguma maneira vai sobressair, no confronto com os outros, quando a ocasião aparecer. E se ele souber explorar melhor essa qualidade, ela por si mesma, vai estabelecer um laço mais forte entre ele e a população, cansada de políticos corruptos. Acredito que, para ser viável a possibilidade de reeleição, ele teria que fazer uma correção de rumos em sua trajetória como presidente. Na atual situação, manter o discurso de campanha pode mesmo ser importante, mas não serve para governar. Ele teria que ampliar os limites de seu discurso. Não dirigir-se apenas ao pequeno segmento que o acompanha quase que cegamente, mas procurar atingir ao conjunto da população, pois foi eleito para governar para todos. Acredito importante ele começar por melhorar seu relacionamento com os governadores do Nordeste e da Amazônia Legal, para não deixar esse campo aberto para um concorrente. Tem que focar nos problemas reais do país, que ele herdou de outros governos, mas que agora são dele.Tem que buscar alternativas para diminuir o desemprego. Diminuir a situação de pobreza extrema de grande parte da população. Tem que dar alternativas de estudo e trabalho à juventude, para que ela não engrosse a informalidade ou seja capturada pela marginalidade. Tem que construir uma base mais sólida no Congresso e tem que dialogar com a sociedade, como presidente de todos e não apenas de um pequeno segmento. Com a situação difícil da economia não será fácil encontrar soluções. Mas a população tem que ver e sentir que ele está tentando. E tentar, dialogando com a sociedade. Seu futuro politico depende muito de seu comportamento diante desses problemas. Hoje, Bolsonaro tem a máquina do governo federal na mão. E com uma máquina desse tamanho não se brinca. Se ele se elegeu sem nada, com a máquina na mão não pode ser subestimado.
Grande abraço,
do amigo Carlos Montarroyos
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