Saneamento básico é um item fundamental em qualquer programa de governo. Não apenas para
preservar a população de uma série de doenças, mas também para a elevação de sua qualidade de vida.
Nos critérios da ONU, para definir o IDH de uma determinada região, o saneamento básico entra como
item de grande importância.
Os investimentos dos governantes em saneamento no entanto, não acompanham essa constatação.
O Rio de Janeiro foi a terceira cidade do mundo a implementar uma rede de esgotos, atrás apenas de
Londres na Inglaterra e de Hamburgo na Alemanha. Mas, ao longo dos anos, os investimentos em
saneamento não acompanharam seu pioneirismo e nem o seu desenvolvimento urbano.
No início o esgoto era lançado em barris diretamente ao mar pelos escravos.
A partir de 1864, o esgoto passou a ser coletado e a receber um estágio inicial de tratamento. Neste
ano foi inaugurada uma estação na Rua do Russel, na Glória. Na época o sistema recebia tanto os despejos
sanitários quanto as águas pluviais. E essa situação arrastou-se ao longo dos anos, mostrando o pouco
caso dos governos com o saneamento básico.
A cada novo governante, mais promessas de saneamento básico.
Mas na prática o saneamento nunca foi
prioridade.
Só em março de 1975, mais de 100 anos depois da constituição da primeira estação de tratamento do
Russel, foi criada a CEDAE e constituída em agosto, com a fusão do estado do Rio de Janeiro com o estado
da Guanabara, tendo a empresa, como desafio, cuidar do saneamento básico do novo estado do Rio de
Janeiro então constituído.
Mas, mesmo com uma empresa específica para cuidar do saneamento em todo o estado, a visão dos
governos em relação ao problema não mudou muito.
As obras de saneamento básico não aparecem para o público. Ficam no subsolo e assim rendem pouco
eleitoralmente. São então relegadas a um segundo plano pelos governos que preferem investir em obras
mais visíveis e mais facilmente exploradas eleitoralmente, mesmo que menos benéficas.
Como produto desse descaso, uma série de doenças são comuns aos cariocas, principalmente aos
habitantes das áreas favelizadas, onde vive mais de 30% da população do Rio de Janeiro, em condições
de sobrevivência na precariedade.
Com a falta de saneamento, doenças extintas há mais de 100 anos retornam agora, como a febre amarela.
Com a proliferação dos lixões, com a existência de esgotos correndo a céu aberto, não apenas ratos e
baratas, mas também o mosquito que transmite a febre amarela prolifera e além dela, transmite a
dengue, a chikungunya, trazendo então uma série de outras complicações.
Investir em saneamento básico significa investir em saúde e na melhoria da qualidade de vida. Um estudo
da USP mostra que o investimento em saneamento, do ponto de vista do combate à pobreza, é mais
importante até mesmo que o investimento em educação. Também uma pesquisa do Site Rioonwatch,
mostra que as crianças com acesso a saneamento básico tem níveis de escolaridade até 30% melhores
que aquelas crianças que habitam comunidades sem esgoto tratado. Da mesma forma, segundo o
instituto Trata Brasil, anualmente mais de 300 mil trabalhadores no Brasil, faltam ao trabalho como
produto de doenças originadas pela falta se saneamento básico.
Já está comprovado por diversas pesquisas que a cada R$ 1,00 investido em saneamento básico, se
economiza R$ 4,00 em saúde pública, diminuindo a necessidade do atendimento hospitalar e elevando a
qualidade de vida.
A ausência de saneamento ocasiona, além das doenças transmitidas pelo mosquito, uma série de outras
doenças, como a febre tifoide, a cólera, a hepatite A, a amebíase, a leptospirose e os idosos e as crianças
são os mais prejudicados, como produto do contato com as águas contaminadas.
Mesmo assim, normalmente os governos deixam o saneamento de lado, o relegam a um segundo plano,
trocando esse atendimento por itens mais rentáveis eleitoralmente.
De acordo com o Ministério das Cidades e com dados de 2016, 4 em cada 10 habitantes do estado do Rio
de Janeiro vivem em áreas sem tratamento de esgotos e com abastecimento de água precário e
intermitente. Ainda segundo esses dados, mais de 30% da população do Rio de Janeiro não está ligada a
um sistema de saneamento formal. E mesmo em áreas com conexões formais, menos da metade dos
resíduos de esgotos é tratado, antes de entrar nos cursos das águas, ou seja, rios, lagoas e oceanos. E
neste sentido, o despejo de esgotos e lixo diretamente nas águas, são uma das principais causas da
poluição, principalmente das praias, assim como da diminuição e desvalorização da atividade turística.
O governo tem uma dupla perda nas comunidades irregulares com a falta de saneamento. De um lado
perde por que a população ao não ter abastecimento regular de água, puxa essa água de forma irregular,
perfurando a rede e fazendo "gato". Isso gera um desperdício enorme e não tem medição. São mangueiras
que são puxadas pelos moradores, agredindo a rede formal e causando além do desperdício, problemas
de vazamento e contaminação da rede regular. Além disso o "gato" causa um outro problema, por que
faz com que as pessoas que tem acesso á rede regular e que pagam por isso, tenham problemas de
intermitência de água.
Mas não é só isso. Além da perda e do desperdício, o governo deixa também de arrecadar por não
incorporar essa população mais carente ao sistema formal de esgotamento sanitário.
Não conheço uma estimativa em relação ao estado do Rio de Janeiro. Mas um estudo feito pelo Instituto
Trata Brasil, afirma que, considerando as 100 maiores cidades do país, estima-se uma perda
mínima anual de faturamento com água, de R$ 1,2 bilhão, pela inexistência do abastecimento formal
de água nas áreas favelizadas.
Quanto ao esgoto, caso houvesse a universalização do serviço nas favelas e ocupações irregulares, o
incremento de receita estimado seria de R$ 1,3 bilhão anuais.
Desta forma, a perda total com água e esgoto nas principais regiões do país seria então de R$ 2,5 bilhões
por ano.
E mesmo sem cifras concretas, a parcela de perdas do estado do Rio de Janeiro não deve ser pequena
nesta estimativa.
Em 1994, o então governador Marcelo Alencar tentou implantar um programa de saneamento básico nas
áreas irregulares, que incorporasse a população, trazendo assim ganhos eleitorais a uma obra pouco
visível.
Em parceria com o Banco Mundial e a Caixa Econômica Federal, o governo do estado montou um
programa de saneamento chamado PROSANEAR.
O Banco Mundial entrava com 50% do financiamento.
A Caixa Econômica Federal com 25%. E o governo
do estado, através da CEDAE entrava com 25% também.
O que tornava esse programa diferente dos outros programas de saneamento básico ?
Exatamente o que todos os outros não tinham: a participação da população.
O método era o chamado método Condominial, o único apoiado e recomendado pelo Banco Mundial
O trabalho tinha então duas vertentes: a parte física da obra propriamente dita e a parte social.
A comunidade era então, dividida em condomínios, como se fossem edifícios na horizontal. E o número
de casas de cada condomínio dependia da conformação do terreno e do projeto de saneamento feito
pela engenharia.
Era realizado todo um trabalho social, através de palestras e reuniões com os moradores de cada
"condomínio", tendo por objeto a importância do saneamento para a comunidade, assim como não
mexer na obra, não furar os canos e aprender a conservar os equipamentos.
Se elegia um síndico em cada condomínio e era feito um acordo do governo com a comunidade, com a
participação da Associação de Moradores local, onde se estabelecia que, até a entrada do condomínio,
assim como na área formal, a responsabilidade era do governo. Dentro do condomínio, a responsabilidade
sobre os equipamentos era dos moradores.
Era estabelecida uma tarifa social mínima por água e esgoto que os moradores se comprometiam a pagar.
Tinham esgoto tratado e água encanada em cada casa.
O governo ganhava duplamente. Primeiro evitava o "gato", evitava a rede regular perfurada e evitava o
desperdício que ocasionavam prejuízos muito grandes.
Em segundo lugar, onde tinha só prejuízos, passava a ter uma arrecadação, que mesmo com uma tarifa
social, na prática era muito significativa.
Esse programa chegou a atender mais de 50 comunidades no Rio de Janeiro e foi interrompido por que
o governo posterior não chegou a um acordo com o Banco Mundial para a continuação do programa.
Vinte anos depois, sem qualquer atenção ou manutenção, os equipamentos devem estar sucateados.
Mas existem e de alguma maneira ainda servem às comunidades.
Acredito que um programa de saneamento poderia começar por essas comunidades, rastreando o que
ainda existe, o seu estado de conservação e fazendo um plano para sua recuperação. Seria mais
barato do que começar do zero em outras comunidades. E teria frutos mais rapidamente.
O segundo momento seria incorporar a população de cada uma das comunidades, fazendo com ela um
trabalho social, com palestras e reuniões sobre a importância do saneamento e como conservar os
equipamentos recuperados pelo governo.
Acho importante discutir essa possibilidade.
Carlos Montarroyos
21- 9- 8747-1899 (whatsApp)
cmontarroyos@gmail.com
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